Para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis, se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes e que foi pregado a toda criatura debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, me tornei ministro. (Cl 1.22b-23a)
Por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. (1 Co 15.2)
Sem o contexto adequado, essas passagens que falam sobre “permanecer na fé” podem causar medo na mente de um crente. Imaginamos que Paulo esteja se referindo à vida do crente após receber a Cristo ou talvez dizendo que devemos continuar ou segurar firmemente em Deus para permanecermos salvos.
Contudo, graças a muitos outros versículos do Novo Testa mento, sabemos que isso não é verdade. Em Hebreus 13.5, somos informados de que Deus nunca nos deixará nem nos abandonará. João 10.28 nos assegura que ninguém nos arrebatará da sua mão. Sabemos que nada nos separa do amor de Deus (Rm 8.39), e que Jesus é capaz de nos salvar completamente porque Ele sempre vive para interceder por nós (Hb 7.25).
Com essas verdades essenciais em mente, o que Paulo quer dizer quando exorta os colossenses a “permanecer” (Cl 1.23) e quando instrui os coríntios a “reter a palavra” (1 Co 15.2)?
Permanecer na fé e reter a palavra
Quando lemos a Bíblia, inevitavelmente tendemos a trazer para a mesa uma abordagem moderna. Então, nossa perspectiva pode diferir dramaticamente de como a igreja primitiva pensava ao ler o Novo Testamento. Um bom exemplo é o conceito de “oração do pecador”, acompanhada pela suposição de que há sempre um único momento memorável e definidor de salvação para todos que chegam à fé em Cristo.
A ideia da oração de um pecador tem apenas cerca de duzentos anos. Ela não é encontrada na Bíblia, mas acredita-se que tenha se originado com os reavivamentos de tendas. As pessoas andavam pelos corredores e repetiam uma oração sugerida pelo pregador no palco. Depois que eles repetiam essas palavras, o pregador declarava que eles haviam nascido de novo.
A “oração do pecador” é uma forma útil de expressar o nosso desejo sincero de invocar o nome do Senhor para sermos salvos. Entretanto, devemos lembrar que Deus ouve o nosso coração, não apenas as nossas palavras. Quando se trata da salvação, é a nossa fé — e não apenas as nossas palavras — o que mais importa para Ele. Para algumas pessoas, esse momento de fé pode surgir repentinamente. Para outros, porém, a salvação pode ser um processo de ser exposto à verdade e crer nela ao longo do tempo. Podemos não nos lembrar do dia ou hora em que nascemos de novo. A experiência do novo nascimento nem sempre inclui uma experiência consciente de um “momento” de mudança. Pode ser um período de tempo durante o qual alguém gradualmente passa a crer. Sabemos simplesmente que, em algum momento ao longo do caminho em nossa exposição à mensagem do evangelho, o Espírito de Deus veio habitar dentro de nós.
Isso nos ajuda a compreender a perspectiva da igreja primitiva para a qual Paulo estava escrevendo. Lá havia todos os tipos de pessoas na vida da igreja naquela época: aqueles que criam, aqueles que estavam nos estágios iniciais de conhecer a verdade e alguns que haviam “provado” o evangelho, mas ainda não tinham comido toda a refeição.
É falando a esses dois últimos grupos que Paulo diz: “[...] se de fato permanecerdes na fé alicerçados e firmes, não vos desviando da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl 1.23). Eles ouviram a mensagem até certo ponto, mas nem todos mudaram depois disso. O evangelho lhes foi proclamado, mas não foi recebido por todos eles. Alguns estavam até começando a afastar-se. É por isso que Paulo os exorta a permanecer centrados no evangelho e a não se desviar dele, porque não há esperança em outro lugar.
Embora alguns já tivessem nascido de novo, outros estavam a caminho do novo nascimento. No momento em que Paulo dirige-se aos colossenses, alguns talvez tinham ouvido o evangelho apenas uma vez; outros, muitas vezes; e outros ainda já haviam recebido centenas de horas de ensino da verdade. Cada um deles estava num estágio espiritual diferente, e Paulo não tinha como saber em qual nível cada um estava espiritualmente. Como apelo evangelístico, ele os exortou a continuar ouvindo, crendo e apegando-se firmemente à verdade. Paulo sabia que, se continuassem, chegariam ao novo nascimento em algum ponto.
Nem a passagem “continuai” (Cl 1.22-23) ou “permanecei firmes” (1 Co 15.2) é sobre os crentes estarem em risco de perder a salvação. Em vez disso, tratam do processo da própria salvação, que envolve diferentes quantidades de tempo e verdade para cada indivíduo. A salvação é uma jornada progressiva de diferentes comprimentos para receber o Espírito “ouvindo com fé” (Gl 3.2). Em algum lugar ao longo do caminho, ocorre o novo nascimento. Se reconhecermos a salvação como um processo ao longo do tempo para muitos na era da igreja primitiva, então passagens como essas fazem muito mais sentido.
Deus faz com que os crentes permaneçam
O ponto principal é este: não se trata de nós, das nossas promessas ou da nossa capacidade de “continuar” ou de “manter--nos firmes”.
A nossa salvação não é assegurada pela nossa capacidade de manter a fé em Deus. Lembre-se de que a Nova Aliança não é uma aliança entre nós e Deus. Não, é uma aliança que Deus fez consigo mesmo (Hb 6.17-19). Sob essa Nova Aliança, nossa salvação é assegurada por Deus de um lado e Deus do outro. Somos beneficiários de um pacto que não iniciamos e que não mantemos ou sustentamos. Portanto, Deus é quem garante que continuemos n’Ele.
Não precisamos ser nossa própria âncora ou estabilidade. Deus é nossa âncora. Deus é nossa estabilidade. Deus é nossa esperança. Permanecemos salvos porque está dentro de nós o poder de uma vida indestrutível (Hb 7.16), a vida de Jesus. 2 Timóteo 2.13 nos lembra de que Ele nunca negará a si mesmo. E, porque Ele vive em nós, Ele nunca nos negará. Essa é a beleza da Nova Aliança. Jesus Cristo é o fiador (Hb 7.22). É por isso que podemos dizer com confiança: “Serei salvo enquanto Jesus viver!” (veja Hebreus 7.25).
Fonte: A simplicidade do evangelho– Pr. Aluízio Silva
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